‘CONOCIENDO AL POETA ANTÓNIO SALVADO’. CRÓNICA DEL ESCRITOR BRASILEÑO CLAUDER ARCANJO

 

1 António Salvado en el Teatro Liceo, 2015 (JAM) (1280x768) António Salvado en el Teatro Liceo, 2015 (JAM)

 

Crear en Salamanca se complace en publicar la crónica escrita en portugués por el poeta, cuentista y editor brasileño Clauder Arcanjo, quien el año pasado participó en el XVII Encuentro de Poetas Iberoamericanos. Entonces conoció a Salvado y escribió esta nota que por vez primera se publica en Salamanca. La acompañamos com fotos del encuentro del año pasado y del XVIII encuentro, recientemente celebrado.

 

 
FOTOGRAFÍAS DE JOSÉ AMADOR MARTÍN (JAM) Y JACQUELINE
ALENCAR (JA)

2 António Salvado y Alfredo Pérez Alencart, en el Teatro Liceo, 2015 (JAM) (1280x768)António Salvado y Alfredo Pérez Alencart, en el Teatro Liceo, 2015 (JAM)

 

Conheci, pessoalmente, António Salvado, poeta português, filho de Castelo Branco, quando da minha última viagem à Salamanca, Espanha, outubro último, para participar do XVII Encuentro de Poetas Iberoamericanos. Melhor, já me alumbrara com alguns dos seus poemas; o que, de certa forma (para mim, a mais completa), é uma maneira de se conhecer um homem tomado pela Poesia.

Eu mal chegara ao Teatro Liceo, em pleno Centro salamantino, ouço alguém comentar, quase como se em uma contrita confissão, no recinto apinhado de convidados e de poetas de Portugal, Espanha e d’além-mar: “Aquele é o poeta António Salvado.” Depressa, corri a vista em direção ao nominado. Era um homem pequeno, um pouco vergado pelo tempo, com cabelos tingidos pelo verniz da névoa dos anos. Reparei que, nele, havia um andar gauche, bem como uns olhos de retinas líricas, acompanhados de um riso como se adormecido nos lábios finos e lusos. Ao me aproximar, ele se afastou. Explico. Salvado seria um dos homenageados da noite, e o cerimonial o convocara para um recinto mais íntimo. De onde, de lá, subiria ao palco, para a ritualística protocolar de praxe. Notei, não sei se apenas foi impressão minha, o poeta de ‘Matéria de Inquietação’ caminhava como se um peixe fora d’água. Quando na ribalta, os aplausos francos de poetas de diversas nacionalidades e etnias.

3 Barroso, Correia, Salvado y Barata, en el Liceo, 2014(JA) (1280x768)Barroso, Correia, Salvado y Barata, en el Liceo, 2014(JA)

O senhor Luís Correia, alcaide de Castelo Branco, leu um discurso correto na forma, no tom e no zelo ao vate provinciano. Nem se derramou em lugares comuns, nem o encheu de sensaborias descabidas. Curto e certeiro, tomando de empréstimo ao poeta uma salva de palmas dos presentes. Terminada a sessão poética, os convidados encheram o saguão de entrada. Foi aí que voltei a me (re)encontrar com António Salvado. Depressa, antes que alguém o chamasse, abracei-o, passando às mãos do mestre o meu livro ‘Pílulas para o silêncio’ (Píldoras para el silencio), edição bilíngue, português-espanhol, com tradução e prólogo do peruano-espanhol Alfredo Pérez Alencart. António Salvado foi deveras elegante e solícito. No final, agradeceu, também, o meu poema na antologia ‘Um Extenso Continente’, organização de Maria do Sameiro Barroso, Maria de Lurdes Gouveia Barata e Alfredo Pérez Alencart, em sua homenagem. O meu rosto foi invadido pelo rubor de quem é flagrado com alguma indiscrição ou falta grave.

— O senhor gostou? — assuntei.
— Vocês, brasileiros, são poetas competentes e generosos.

A turba, em compromisso de jantar, interrompeu nosso arremedo de diálogo, e eu fiquei sem a presença do vate de ‘Nausícaa’.

 

4 Alfredo Pérez Alencart, Maria do Sameiro Barroso y António Salvado, 2014(JA) (1280x768)Alfredo Pérez Alencart, Maria do Sameiro Barroso y António Salvado, 2014(JA)

 

Voltei para o Brasil; o tempo foi engolindo minhas semanas, as leituras escassearam, os e-mails se avolumaram. Até que, chega!, abri o livro ‘Interior à Luz’, de António Salvado, edição da A Mar Arte, Coimbra, ano de 1995. Vaguei pela lírica de Salvado; perdendo-me e reencontrando-me, alumbrado e conquistado, interiormente, vezes sem fim. “A lágrima do peso da ternura/ quando a luz da maré desenha as formas/ dos barcos marulhados que repousam.” Estava em um “Encontro de Areia”. Adiante, no poema “Interior”, uma quadra intensamente rítmica, pejada de breves achados metafóricos: “É de ternura a espera que se abriu/ no coração das horas junto a ti./ E nesse navegar por breve rio/ resta a nudez de cativar o fim.”

Quando leio algo novo e intenso, tenho, como hábito e fanatismo, relê-lo seguidas vezes, até chupar o tutano do seu osso-palavra. Assim agi, em diversas páginas-ocasiões. No entanto, ao me ver frente a frente com “Infância”, algo mudou em mim. Uma onda de reminiscências, um voejar de saudade, uma melancolia de confesso provinciano tomaram de assalto o meu corpo e a minha mente.

Transcrevê-lo-ei, e o leremos, juntos. Em uníssono compasso.

 

 

 

INFÂNCIA

 

Do coração se nutrem as ruínas.
Os brinquedos deixados na saudade:
bonecos desenhados na parede
da ternura e nas pétalas do riso.

A ressurgida voz emudecida
que falava das fadas e do medo:

O sussurro murmúrio do jardim,
semeador memória de pureza.

Do coração se nutre a velha casa.

 

5 António Salvado y Alfredo Pérez Alencart, en el  Liceo, 2015 (JAM) (1280x768)António Salvado y Alfredo Pérez Alencart, en el Liceo, 2015 (JAM)

“Do coração se nutre a velha casa.” Licânia, mais do que imediatamente, caiu no meu colo, pondo a tristeza sobre a minha escrivaninha, perante os meus olhos inquietos e túrbidos.

Fechei o livro e deitei-me na rede, na minha varanda. “Hoy recuerdo a los muertos de mi casa”; este verso de Octavio Paz assuntou a minha noite. Catei a lua no firmamento, contei as estrelas no céu limpo do sertão nordestino e concluí: A poesia em língua portuguesa deve muito a António Salvado.

Salve António Salvado.

 

***

Brilham meus olhos os estranhos passos
dum silêncio maior em fim secreto.

 

(António Salvado, em “Vislumbre”)

 

6 Clauder Arcanjo (al centro), con su familia, tras presentar Píldoras para el Silencio, 2014 (JA) (1280x768)Clauder Arcanjo (al centro), con su familia, tras presentar Píldoras para el Silencio, 2014 (JA)

 

 

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