UNAMUNO AL PORTUGUÉS TRADUCIDO POR CLÁUDIO AGUIAR. CAPÍTULO III DE ‘VIDA DE DON QUIJOTE Y SANCHO’

 

Don Quijote y Sancho, de Miguel Elías

 

Crear en Salamanca tiene el privilegio de publicar un fragmento de la traducción realizada por el destacado escritor Cláudio Aguiar (Ceará, Brasil, 1944), narrador, ensayista, poeta, dramaturgo y cuentista. Hasta marzo de 2020 fue presidente del PEN Club de Escritores de Brasil y actualmente lo es de la Fundación Miguel de Cervantes de Apoyo a la Investigación y a la Lectura de la Biblioteca Nacional de Brasil, ambas instituciones con sede en la ciudad de Río de Janeiro. Como escritor ha recibido varios premios y reconocimientos, tanto en el ámbito de la novela como en el teatro, entre los que pueden citarse el Premio Nacional de Literatura (1982) otorgado por el Ministerio de Cultura de su país, así como los premios José Olympio de Novela (1981), Premio Fernando Chinaglia de la Unión Brasileña de Escritores (1981), Premio de Teatro Waldemar de Oliveira (1985) y Premio Lucilo Varejão (1995) y el Premio Iberoamericano de Narrativa “Miguel de Unamuno” (2009). Sus novelas y relatos han sido traducidos al ruso, francés y español, entre otros idiomas.

Claudio Aguiar con su libro de relatos ‘El rey de los bandidos’ traducido por A. P. Alencart y publicado por Verbum

(Foto de Jacqueline Alencar)

 

Salamanca, donde vivió cuatro años (1983-1986), es, para el poeta Cláudio Aguiar, una “Ciudad encantada/ en la sangre y en la letra,/ de la noche más negra/renace la alegría,/ Salamanca”. Sus obras de referencia son: Caldeirão (novela, 1982), Antes que a guerra acabe (teatro, 1985), A volta de Emanuel (novela, 1989), Os espanhóis no Brasil (ensayo, 1992), Os anjos vingadores (novela, 1994), O comedor de sonhos (cuentos, 2007) y Medidas & circunstâncias – Cervantes, Padre Vieira, Unamuno, Euclides e Outros (ensayos, 2008).Desde 1986 es doctor en Derecho por la Universidad de Salamanca, cuando defendió su tesis doctoral sobre la inmigración española al Brasil, titulada Organización Social y Jurídica de los Inmigrantes Españoles en Brasil. En 1995 la Cátedra de Poética “Fray Luis de León”, de la Universidad Pontifícia de Salamanca y dirigida por el maestro Alfonso Ortega Carmona, le tributó un homenaje internacional y premió su trayectoria literaria. Años después, el 4 de octubre de 2012, Cláudio Aguiar ofreció la conferencia de clausura del XV Encuentro de Poetas Iberoamericanos sobre la obra poética de su admirado Miguel de Unamuno.

 

 

La versión íntegra de la edición brasileña de VIDA DE DOM QUIXOTE E SANCHO, publicada hace unas semanas con traducción, introducción y notas de Cláudio Aguiar, puede conseguirse en Amazon.

 

 

 

CAPÍTULO III

NO QUAL SE CONTA A GRACIOSA MANEIRA QUE TEVE

DOM QUIXOTE EM ARMAR-SE CAVALEIRO

 

 

Vai Alonso Quijano receber seu batismo cavaleiresco como Dom Quixote. E assim, fincou ambos joelhos diante do vendeiro pedindo-lhe um dom, que lhe foi outorgado, isto é, o de que ele o armasse cavaleiro, prometendo-lhe, naquela noite, velar as armas na capela do castelo. E o bodegueiro “por ter que rir aquela noite, resolveu seguir-lhe o humor”, pois, pelo visto, era um desses que tomam o mundo como um espetáculo, ação natural de quem estava afeito a tanto leva e traz de coisas a entrar e a sair. Por que não tomar o mundo como um espetáculo quem vive numa pousada onde ninguém pousa de verdade? Ter que se separar de alguém desconhecido e tratável nos leva a procurar do que rir.

 

Era o bodegueiro um homem que correra mundo a semear safadezas e a colher prudência. E tão definitiva esta, que, ao responder Dom Quixote a uma pergunta sua “que não tinha prata porque nunca havia lido nas histórias dos cavaleiros andantes que nenhum as tivesse

trazido”, lhe disse que se enganava, posto “que nas histórias não se achasse tal menção, por terem entendido os autores delas não ser necessário especificar uma coisa tão clara e indispensável, como eram o dinheiro e camisas lavadas, nem por isso se havia de acreditar que não trouxessem tal; e assim tivesse por certo e averiguado, que todos os cavaleiros andantes (…), levavam bem petrechadas as bolsas para o que desse e viesse…”. Sobre isso “prometeu Dom Quixote executar o que lhe aconselhava”, pois era um louco muito razoável e ante a intimidação do dinheiro não há loucura que não se dobre.

 

Dir-se-á, porém, não vive o sacerdote do altar? E não será correto que de suas façanhas viva o aventureiro? Dinheiros e camisas limpas! Impurezas da realidade! sim, porém a elas têm que se acomodar os heróis. Também Inácio de Loyola esforçava-se por viver como verdadeiro cavaleiro andante ao divino, mal saía de enfermidades, àssuas  acostumadas asperezas de vida, “porém, ao final, a longa experiência e após uma grave dor de estômago que sempre lhe assaltava – nos conta seu historiador, livro I, capítulo IX – e à esperança do tempo, que era em meio do inverno, abrandaram-lhe um pouco para que obedecesse aos conselhos de seus devotos e amigos, que o obrigaram a vestir roupinhas curtas, de um pano grosseiro e apardaçado para abrigar seu corpo e do mesmo pano um meio barrete para cobrir a cabeça”.

 

Dom Quixote, de imediato, ficou a velar as armas no pátio da venda, à luz da lua, sendo observado pelos curiosos. Entrou um zelador de animais (arrieiro) a fim de dar água à sua égua e retirou as armas que estavam sobre a lavanderia, pois quando vamos dar de beber

a nossos bichos arredamos tudo quanto nos estorve até chegar ao manancial. Mas, o homem recebeu sua paga com um forte golpe de lança, que o derrubou, aturdido. A outro, que ia ao mesmo local, aconteceulhe de igual forma. Com pouco tempo começaram os arrieiros a apedrejar o Cavaleiro, que, a gritar, chamando-os de “soez e baixa canalha”, dizia tais palavras “com tanto brilho e denodo”, que logrou atemorizá-los. Colocai, pois, alma em vossas vozes, com denodo e brilho chamai de canalha aos arrieiros que se valem de seu descanso para arrancar suas armas poder real dar de beber aos seus animais e conseguireis atemorizá-los.

 

Don Quijote y Sancho en oración, obra de Miguel Elías

 

O vendeiro, temeroso da ocorrência de coisas piores, abreviou a cerimônia, conduzindo um livro “onde registrava a palha e a cevada que dava aos arrieiros, e com um coto de vela de sebo que um rapaz lhe trouxe aceso, e com as duas sobreditas donzelas”, fez Dom Quixote ficar de joelhos a ler devota oração, dando-lhe um golpe nas espaldas. O livro em que registrava a palha e a cevada serviu de ritual evangélico e se lhe dava o mesmo quando o Evangelho convertia-se em puro rito. Uma das moças, a Tolosa, toledana, cingiu-lhe a espada desejando-lhe venturas em lides, e ele lhe rogou que pusesse Dom e se chamasse Dona Tolosa, e a outra moça, a Moleira, antequerana, calçou-lhe as esporas “e passou-lhe quase o mesmo colóquio” com ela. E logo se saiu sem que lhe pedissem a conta.

 

Já o temos armado cavaleiro por um velhaco, que cansado de furtar a vida por meio de assaltos de estrada, a salvo de perigos de ladrões de malas dos viajantes, e por duas jovens prostitutas. Tais coisas introduziram Dom Quixote no mundo da imortalidade, no qual haveria de repreender cônegos e graves eclesiásticos. Elas, a Tolosa e a Moleira, deram-lhe de comer, cingiram-lhe a espada e calçaram-lhe as esporas, mostrando-se serviçais e humildes com ele. Humilhadas sempre em sua fatal profissão, compenetradas em suas próprias misérias e, sequer, sem o hediondo orgulho da degradação, foram adonzeladas por Dom Quixote e elevadas por ele à dignidade de Donas.

 

Foi o primeiro erro do mundo endireitado por nosso Cavaleiro, e como todos os demais que endireitou, torto ficou. Pobres mulheres que, sensivelmente, sem cínica ostentação, dobram a cerviz à necessidade do vício e à brutalidade do homem, as quais, para ganhar o pão consolam-se com a infâmia! Pobres guardadores da virtude alheia, feitos sumidouros da luxúria, que, uma vez estancada, mancharia as outras! Foram as primeiras a acolher o sublime louco. Elas lhe cingiram a espada, calçaram-lhe as esporas, e por suas mãos entrou ele no caminho da glória.

 

E aquela guarda de armas, não lhes fazem recordar a do cavaleiro andante de Cristo, a de Inácio de Loyola? Também Inácio, à véspera do Natal de 1522, guardou suas armas ante o altar de Nossa Senhora de Monserrate. Escutemos o Pe. Rivadeneyra (livro I, cap. IV):

“Como houvesse lido em seus livros de cavalaria que os novos cavaleiros costumavam vigiar suas armas, por imitar ele, como novo cavaleiro de Cristo, com espiritual representação daquele feito cavaleiresco e vigiar suas novas e ao parecer pobres e fracas armas, mas, com efeito, em verdade muito ricas e fortes, que contra o inimigo de nossa natureza se havia vestido, toda aquela noite, parte em pé, parte de joelhos, esteve vigiando diante da imagem de Nossa Senhora, encomendando-se de todo coração a ela, chorando amargamente seus pecados e propondo-se a corrigir sua vida dali para frente.”

 

 

Retrato de Miguel de Unamuno, de Miguel Elías

 

 

Capítulo III

 

DONDE SE COMENTA LA GRACIOSA MANERA

QUE TUVO DON QUIJOTE EN ARMARSE CABALLERO.

 

Va Alonso Quijano a recibir su caballeresco bautismo como Don Quijote. Y así, hincó ambos hinojos ante el ventero pidiéndole un don, que le fue otorgado, cual fue el de que le armara caballero, y prometiendo velar aquella noche las armas en la capilla del castillo. Y el ventero por tener que reír aquella noche, de terminó de seguirle el humor, por donde se ve que era uno de estos que toman al mundo en espectáculo, cosa natural en quien estaba hecho a tanto trajín y trasiego de yentes y vinientes. ¿Cómo no tomar en espectáculo el mundo quien vive en él de una posada en donde nadie posa de veras? El tener que separarse de uno apenas conocido y tratado nos lleva a buscar que reír.

 

Era el ventero un hombre que había corrido mundo sembrando fechorías y cosechando prudencia. Y tan claveteada ésta, que al responder Don Quijote a una pregunta suya que no traía blanca porque él nunca había leído en las historias de los caballeros andantes que ninguno los hubiese traído,.le dijo se engañaba, que puesto caso que en las historias no se

escribía, por haberles parecido a los autores dellas que no era menester escribir una cosa tan clara y tan necesaria de traerse, como eran dineros y camisas limpias, no por eso se había de creer que no los trujeron; y así tuviese por cierto y averiguado que todos los caballeros andantes llevaban herradas las bolsas por lo que pudiese sucederles. A lo cual prometió Don Quijote de hacer lo que se le aconsejaba, pues era un loco muy razonable

y ante la intimación de los dineros no hay locura que no se quiebre.

 

Cláudio Aguiar, escritor, de Sumi-E de Miguel Elías

 

 

Pero ¿no vive el sacerdote del altar?, se dirá, Y ¿no es bien que de sus hazañas viva el hazañoso? ¡Dineros y camisas limpias! ¡Impurezas de la realidad! Impurezas de la realidad, sí, pero a las que tienen que acomodarse los héroes. También Iñigo de Loyola se esforzaba por vivir en verdadero caballero andante a lo divino, tornando, apenas salía de enfermedades, a sus acostumbradas asperezas de vida, «pero al fin la larga experiencia y un grave dolor de estómago que a menudo le saltaba —nos cuenta su historiador, lib. I, cap. IX— y la aspereza del tiempo, que era en medio del invierno, le ablandaron un poco para que obedeciese a los consejos de sus devotos y amigos; los cuales le hicieron tomar dos ropillas cortas, de un paño grosero y pardillo, para abrigar su cuerpo y del mismo paño una media caperuza para cubrir la cabeza».

 

Púsose luego Don Quijote a velar las armas en el patio de la venta, a la luz de la luna y espiado por los curiosos. Y entró un arriero a dar agua a su recua y quitó las armas que estaban sobre la pila, pues cuando hay que dar de beber a nuestra hacienda arrancamos cuanto nos estorbe llegar al manantial. Mas recibió su pago en un fuerte astazo de lanza que le derribó aturdido. Y a otro, que iba a lo mismo, acaecióle igual. Y a poco empezaron los de más arrieros a apedrear al Caballero, y él a dar voces llamándoles soez y baja canalla y los llamó con tanto brío y denuedo, que logró atemorizarlos. Poned, pues, alma en vuestras voces, llamad con denuedo y brío canalla a los arrieros que arrancan de su reposadero las armas del ideal para poder abrevar sus recuas, y conseguiréis atemorizarlos.

 

El ventero, temeroso de otros males, abrevió la ceremonia, llevó un libro donde asentaba la paja y cebada que daba a los arrieros y con un cabo de vela que traía un muchacho y con las dos ya dichas doncellas, hizo ponerse de rodillas a Don Quijote y leyendo una devota oración le dio un golpe y el espaldarazo. El libro en que asentaba la paja y cebada sirvió de evangelio ritual. Y cuando el Evangelio se convierte en puro rito es lo mismo. Una de las mozas, la Tolosa, toledana, le ciñó la espada deseándole ventura en lides y él le rogó se pusiese Don y se llamase Doña Tolosa, y la otra moza, la Molinera, antequerana, le calzó la espuela y le pasó casi el mismo coloquio con ella. Y luego se salió sin que le pidieran la costa.

 

Don Quijote, de Miguel Elías (Fondo Pérez Alencar)

 

Ya le tenemos armado caballero por un bellaco, que harto de hurtar la vida a salto de mata, la asegura desvalijando a mansalva a los viandantes, y por dos rameras adoncelladas. Tales le entraron en el mundo de la inmortalidad, en que habían de reprenderle canónigos y graves eclesiásticos. Ellas, la Tolosa y la Molinera, le dieron de comer; ellas le ciñeron espada y le calzaron espuela, mostrándose con él serviciales y humildes. Humilladas de continuo en su fatal profesión, penetradas de su propia miseria y sin siquiera el orgullo hediondo de la degradación, fueron adoncelladas por Don Quijote y elevadas por él a la dignidad de doñas.

 

Fue el primer entuerto del mundo enderezado por nuestro Caballero, y como todos los demás que enderezó, torcido queda. ¡Pobres mujeres que sencillamente, sin ostentación cínica, doblan la cerviz a la necesidad del vicio y a la brutalidad del hombre, y para ganarse el pan, se resignan a la infamia! ¡Pobres guardadoras de la virtud ajena, hechas sumideros de lujuria, que estancándose mancharía a las otras! Fueron las primeras en acoger al loco sublime; ellas le ciñeron espada, ellas le calzaron espuela, y de sus manos entró en el camino de la gloria.

 

Y aquella vela de armas ¿no os recuerda la del caballero andante de Cristo, la de Iñigo de Loyola? También Iñigo, la víspera de la Navidad de 1522, veló sus armas ante el altar de Nuestra Señora de Monserrate. Oigámoslo al P. Rivadeneira (lib. I, cap. IV): «Como hubiese leído en sus libros de caballerías que los caballeros noveles solían velar sus armas, por imitar él, como caballero novel de Cristo, con espiritual representación, aquel hecho caballeroso y velar sus nuevas y al parecer pobres y flacas armas, mas en hecho de verdad muy ricas y fuertes, que contra el enemigo de nuestra naturaleza se había vestido, toda aquella noche, parte en pie y parte de rodillas, estuvo velando delante de la imagen de Nuestra Señora, encomendándose de todo corazón a ella, llorando amargamente sus pecados y proponiendo la enmienda de la vida para en adelante».

 

 

Alencart, Aguiar, Fernández Labrador, Valinho y Malta Sobreira, en el Colegio Fonseca (2015, foto de Jacqueline Alencar)

 

Miguel Elías y Cláudio Aguiar, con una bandera de Brasil pintada por el primero sobre páginas de un libro de Aguiar

(foto de Jacqueline Alencar)

 

 

 

 

 

 

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